sábado, 13 de julho de 2013
Decifra-me || Cap 2
Talvez não seja tão simples assim, mas eu vou tentar. Era o que eu pensava. Bem, é tão simples assim!
Escrevi por duas horas seguidas, apenas duas horas, e lá estava. Pronto. E para minha surpresa, não era como se eu tivesse acabado de escrever mais de 20 folhas. Não era como se eu tivesse imaginado toda aquela história. Mas de qualquer forma, Eric suspirou ao terminar de lê-la, um suspiro que me dizia "Precisamos apresentá-la".
- James! - Eric gritava pelo apartamento. - Ei, James! - Ele batia na porta de madeira.
- Mas que coisa... - Seu rosto amassado e inchado surgia numa fresta da porta, James era do tipo que não dorme nunca, mas quando dorme é como uma pedra.
- Acabei de marcar! - O entusiasmo de Eric era tanto que podia-se vê-lo saindo pelos poros.
- O que, criatura?
- Um encontro com o dono do teatro!
Foi apenas nesse momento que tanto James quanto eu prendemos a respiração para não gritarmos. A agitação me subiu à cabeça e tomou conta de cada pensamento que surgia em minha mente. Tudo não passava de contratarmos pessoas, cenário, roupas, maquiagem, problemas, dinheiro, mais pessoas, a peça não tinha um final ainda...
- Espera.. - Pela primeira vez no dia eu dizia algo.
- O que? - Eric se voltou imediatamente para mim.
- Você sabe que a peça não está pronta...
Seguiu-se um silêncio de quase meia hora, enquanto James tomava uma ducha e apenas o barulho da água era o que ouvíamos. Nem se quer sabíamos se poderíamos ir adiante com tudo aquilo, a incerteza nos dominou. Nos dominou de uma forma cruel. De uma forma que tudo que nos era permitido era apenas ter medo.
- Preciso ler. - James surgia do banheiro, enrolado em uma toalha branca e ainda pingando.
- Estou pensando em um fim. - Repliquei.
- Eu quero ler agora. - Ele estendeu a mão em minha direção.
- Não posso... - Pausei por um instante. Por que não poderia deixá-lo ler? Por que estava tão relutante? Não fora eu mesma quem pediu que Eric a lesse na noite anterior?
James entendia tanto quanto eu, seus olhos minguaram e ele baixou a cabeça.
- Como posso defender algo que não sei se é realmente bom? - As palavras saíram de seus lábios e acertaram diretamente meu ponto mais fraco: O sentimento de inutilidade. Talvez fosse por saber que não estava bom que eu não queria que ele a lesse. Nesse caso, nem mesmo para escrever eu servia.
Mesmo assim, levantei a cabeça e olhei bem em seus olhos azuis pálidos.
- Você vai ler, e vai achar que é boa. Mas não agora.
Tínhamos apenas cinco horas, nada mais.
quinta-feira, 11 de julho de 2013
Decifra-me || Cap 1
Era uma noite fria de inverno quando senti aquela sensação pela primeira vez. Eric e James Blank estavam lá embaixo, em uma caminhonete, apenas a me esperar. Deviam faltar no minimo cinco andares, talvez seis, quando aconteceu.
Antes de mais nada, se você quer saber da minha vida, precisa saber da minha história.
Eu tinha apenas 4 anos quando meus pais morreram em um trágico acidente de carro. Fui morar com minha tia, que por não ter muito tempo, me largou em um internato qualquer quando completei 6. Lá conheci Cibele e Cecília, gêmeas que dedicavam seu tempo em enganar todos naquele lugar que eu chamava de prisão, como já diz o ditado "se não pode contra eles, junte-se a eles". Foi o que fiz. Até os 10 anos fomos as piores pragas pelas quais o lugar teve de passar. Fugíamos quase todo fim de semana para nosso "clubinho" a dois quilômetros dali, onde nos encontrávamos com outras meninas da cidade e meninos também. Mas aos 10 anos tudo começou a se complicar. Cibele e Cecília se foram, seus pais voltaram para buscá-las pois já não podiam pagar as despesas. Todos os olhares do internato se voltaram para mim e tive que me tornar uma pessoa extremamente cautelosa. Passei a maior parte do meu tempo entre os 10 e os 15 fotografando insetos e fazendo colagens. As vezes escapava por uma brecha na muralha lateral e corria para o campo a fim de ver o por do sol ou o nascer dele. As vezes para brincar com a neve ou para rolar entre as flores silvestres. Foi no meu aniversário de 15 anos que conheci Eric. Eric era um garoto tímido de 13 anos; pele clara, como se nunca tivesse visto o sol antes, olhos castanhos claros e belos cachos pretos. Eu brincava dizendo que a primeira vez que o vi achei que fosse um fantasma, mas ambos sabíamos que ele chegara em minha vida como algo muito mais importante que um fantasma. Passei a me encontrar com Eric todos os domingos, as vezes de tarde ou até de noite. Nos comunicávamos por código morse usando um espelho e o sol. Eu levava fotos e colagens para ele ver e ele me trazia livros... Montes deles as vezes. Eu os escondia na barreira e lia todos os dias. Foi só com 16 anos que conheci seu irmão mais velho, James. O total oposto de Eric, James era falante e divertido. Ele nos levou uma noite de carro para assistirmos um filme em um telão ali perto. Foi a inspiração para todos os nossos planos. Passamos anos escrevendo e inventando histórias, peças, filmes, e tudo mais. Eric e James eram meus únicos e melhores amigos. Eu me perguntava se eu também significaria tanto para eles...
Minha tia me enviou uma carta certo dia, dizendo que estaria indo me visitar assim que pudesse e que nos mudaríamos para Amsterdã. Mulher inconveniente. Foi então que chegamos ali, naquela noite gelada de inverno onde uma onda de medo me cobriu enquanto eu estava a metros de minha liberdade.
- Olha! É a Chloe! - Uma das meninas do quinto andar gritou, foi o bastante.
- Madame! A Chloe está fugindo novamente!
Larguei de súbito a corda e a segurei novamente após terem se passado três andares, desci o mais rápido que pude e quando não podia ir mais rápido, me joguei.
Foi ali, naquele momento épico, quando senti o vento quente me envolver pela primeira vez. Um doce sopro que me dizia "você ficará bem, apenas feche os olhos".
James já me tinha nos braços quando dei por mim. Entramos no carro e partimos o mais rápido que pudemos, sem olhar para trás, sem estarmos certos de para onde ir, e ainda éramos tão jovens...
James e Eric me levaram até sua casa - um trailer - onde me contaram sua história enquanto arrumavam suas coisas para que fôssemos até o fim do mundo se preciso. Todas as minhas dúvidas foram respondidas naquele momento, sim, eu significava tanto para eles. E aquilo era tudo que eu precisava saber naquele momento.
Foi tudo muito rápido, tão rápido quanto um relâmpago. E quando abri os olhos de manhã, estava em uma estrada de barro, sentada em um pequeno sofá, tomando uma xícara de café e vendo a paisagem passar pela pequena janela em minha frente.
Decifra-me (sinopse)
"Seja noite ou seja dia, seja inverno ou verão, desde o outono até a primavera, seja como for, onde for, ali está. Olhos brilhantes que me vigiam. Grandes braços que me envolvem. Mãos macias que acariciam meu rosto. Alguém. Em algum lugar em meio a escuridão. Posso sentir tua energia, posso sentir teu calor. Sei que está aí, mas por que não falas nada? Sinto-me em uma missão, a missão de te descobrir, e é como se também o quisesses... Posso ouvir-te sussurrar: Decifra-me."
Era pra ser apenas uma peça, mas não foi.
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